Renoir: do cotidiano ao lúdico

Pierre-Auguste Renoir (1841-1919) foi um dos pintores que mais recebeu destaque no movimento impressionista. Suas telas eram coloridas, descontraídas e apresentavam uma desavergonhada celebração do prazer.

Mas engana-se aqueles que pensam que ele tinha uma visão distópica da realidade. Renoir apenas acreditava que a arte era um meio de fuga para as verdades mais cruéis da vida.

Talvez por isso, o mundo por ele retratado era livre de ansiedades, medos e pobreza. Repleto de musas sensuais, traços leves e fantasia, seus quadros eram feitos para agradar os seus desejos mais íntimos.

Certa vez ele relatou ao amigo Claude Monet que só criava pinturas que o faziam desejar caminhar dentro se forem paisagens, e acariciá-las se forem mulheres.

Bibliografia e principais obras de Renoir

Renoir nasceu em Limoges, no interior da França em 25 de fevereiro de 1841. Foi o sexto de sete filhos do casal de um alfaiate e uma modista. Sua família, de origem pobre, em 1844 decidiu se mudar para a capital, na esperança de aumentar a renda e conseguir cuidar de todos os filhos. Em Paris, eles passaram a viver em uma casa próxima ao Louvre.

Seja pela proximidade física de um dos museus com maior prestígio da Europa, ou até mesmo pela aura que rondava todo o continente na época, a inclinação artística de Renoir começou a aflorar ainda em sua juventude e aos 13 anos, incentivado por seus pais ele já pintava pequenos vasos de porcelana.

Durante seis anos ele trabalhou com o ofício de pintor decorativo, auxiliando na renda familiar. Embora fosse útil à família, ele sonhava mais alto. Por isso acabou desistindo da carreira de pintor de vasos e se inscreveu na École des Beaux-Arts, em Fontainebleau.

Lá ele aprendeu sobre Belas Artes sob a supervisão de Charles Gleyre e acabou conhecendo outro estudante que viria a ser seu melhor amigo, Claude Monet. Gleyre era muito rígido em seus ensinamentos, e Renoir sempre se distraía.

Monet relatou que o amigo pintava por diversão e alegava que se não se divertisse nem mesmo pintaria. Um local de inspiração para os jovens pintores da Beaux-Arts era a floresta nos arredores de Fontainebleau.

De volta à Paris, já formado como pintor, Renoir foi selecionado para expor seus quadros em diversos locais. Seus primeiros quadros foram bem aceitos, pois se encaixavam no establishment da época.

Nesse período Renoir se apaixonou por uma das figuras mais emblemáticas de seus quadros: Lise Trèhot. Ela foi sua amante durante os oito anos seguintes e em sua homenagem ele pintou ao todo quinze telas, a primeira delas foi Lise com sombrinha (1867).

Lise com sombrinha

Lise com sombrinha (1867)

O comportamento de Renoir e seus amigos era visto como algo inadequado para a França antiga, pois, enquanto sua amizade com Monet florescia, os dois saiam de forma cada vez mais frequente para pintar as margens do Rio Sena.

Lá, eles passavam horas observando as banhistas, que nadavam brincavam e se divertiam, depois as pintavam em seus quadros completamente nuas. Fantasear e herotizar mulheres em telas não era um tipo de arte aceito na época.

Durante a guerra contra a Prúcia Renoir se alistou e lutou durante um ano, mas após sofrer com doenças e ficar deprimido ele retornou a França desiludido com a política. Renoir sofreu ainda uma segunda desilusão, seu trabalho fora rejeitado nas maiores exposições por dois anos seguidos.

Cansado de tentar ser aceito pelo establishment, ele decide quebrá-lo. Em conjunto com Monet e outros pintores da época cria a primeira exposição impressionista, que ocorreu em 1874. Na qual apresentou quatro quadro de mulheres. O que recebeu mais destaque foi La loge (o camarote):

O camarote

O camarote (1874)

 

O quadro recebe este nome porque mostra uma jovem no teatro olhando para o palco, enquanto seu companheiro olha para o camarote da ópera. Novamente o destaque vai para o vestido, de tons brancos quase translúcidos, advindos de pequenas camadas de tinta diluídas, em contraste com um negro vivido (a cor favorita do pintor).

Ele vendeu a pintura por um preço considerado irrisório hoje em dia, mas que ofereceu dinheiro suficiente para pagar os aluguéis atrasados. Para alguém de origem pobre, como Renoir, era muito complicado viver apenas de uma carreira artística na França pós-guerra. Era preciso ter um mecenas para propiciar as tintas, telas, solventes, pincéis e outros materiais, que se tornaram extremamente caros.

A partir de 1876 Renoir começou a frequentar o Le Moulin de la Galette. O local oferecia bailes dançantes. O ritmo e as cores inspiraram o quadro mais famoso do artista: Dance at le moulin de la galette. Sendo Moulin respectivamente o nome do baile, e la galette uma torta doce vendida no local.

O baile no moulin de la Galette (1876)

O baile no moulin de la Galette (1876)

A obra mostra um baile ao ar livre. Ela pode ser dividida diagonalmente entre as pessoas que se sentam à baixo de uma árvore, com as sombras das folhas expostas em seus corpos. E aqueles que estão em movimento na parte superior esquerda, dançando perante a uma exposição maior a luz do sol. Esse jogo de luz foi criado com faiscantes flocos de tinta branca, e curiosamente Renoir não pintou o quadro no local, mas sim em seu ateliê.

Os quadros de Renoir sempre pareciam alegres e seguros. Contudo, a personalidade do pintor era depressiva, ele se sentia inseguro com frequência. Monet relatou que ele quase sempre era sério, absorto e distante. Para vê-lo cantarolar ou feliz, era preciso pegá-lo de surpresa trabalhando em suas pinturas.

Renoir apreciava os ciclos impressionistas, mas diferentemente dos seus amigos pintores, que possuíam recursos para arcar com as pinturas, ele precisava de patrocínio para mantê-las. Por isso, decidiu não criar obras para participar das exposições impressionistas em 1979. Se entregando a pintura comercial, e passou a frequentar as casas mais abastadas da região.

Uma delas era a de Madame Charpentier, que sempre recebia visitas ilustres e famosos em sua residência. A burguesa acabou se tornando parte importante da carreira de Renoir graças ao seu cônjuge.

Madame Charpentier e suas crianças (1878)

Madame Charpentier e suas crianças (1878)

O quadro apresenta uma abordagem harmônica entre os rostos dos modelos e a paisagem decorativa. A mãe observa maternalmente seus filhos, o mais novo está vestido de menina como apontava a tradição francesa, que mantinha as crianças com roupas iguais até os três anos. Já a mais velha observa de volta a mãe, enquanto se senta em um cachorro que parece estar cochilando.

O marido da madame, Bruce Charpentier, foi quem encomendou quadro. Ele era dono e editor de uma revista sobre arte chamada La vie moderne, que já havia publicado e divulgado diversos pintores na época. Após receber o quadro pronto de Renoir ele gostou tanto que decidiu fazer resenhas positivas a respeito da obra em sua revista.

Em 1880 Renoir decidiu romper suas ligações com impressionismo. Esse rompimento fica evidente em sua obra seguinte, Les parapluies (1881-1886). O quadro revela a transição ao retratar a moda de modo pictórico. Em 1881 ele pintou a primeira versão da tela, na qual as mulheres trajavam roupas típicas parisienses.

Mas raios-x feitos posteriormente revelaram que ela foi alterada em 1886. Especula-se que isso aconteceu após a viagem de Renoir à Itália para conhecer a obra de Rafael. O pintor decidiu refazer as roupas e alterou o tipo de pincelada, adotando um novo estilo seco e clássico para o primeiro modelo. O mesmo ocorre com os guarda-chuvas, que em contraste com o seu primeiro quadro impressionista (Lise com sombrinha), são muito mais lineares

Os guarda-chuvas (1881-1886)

Os guarda-chuvas (1881-1886)

Nos anos seguintes Renoir continuou a aprofundar as suas novas técnicas. Se afastando cada vez mais de temas contemporâneos e cenas cotidianas para entrar em uma espiral atemporal, a qual era habitada por lindas mulheres nuas, que ele chamava de: “oiseaux de paradis” (aves do paraíso), como podemos observar em Les Grandes Baigneuses.

As grandes banhistas (1887)

As grandes banhistas (1887)

A obra revela os anseios de um homem de meia idade que deseja voltar ao passado, como fazia às margens do Rio Sena, onde podia observar jovens mulheres brincarem e o observarem de forma interessada e inocente, sem ser julgado. Para posteriormente poder convertê-las de sua mente para a tela em belezas voluptuosas e desnudas. Além disso, o quadro também evidencia o forte impacto que Rafael exerceu em Renoir, estabelecendo traços com cada vez mais ênfase nas pinturas clássicas naturalistas.

Essa mudança também pode ter surgido graças ao momento pelo qual o pintor passava em sua vida amorosa. Em 1890, ele abandona as amantes e se casa com Aline Victorine Charigot, que fora musa de muitas de suas obras. Eles tiveram um filho chamado de Pierre em 1885, seu irmão Jean Renoir (futuro cineasta) nasceu nove anos depois.

Esses fatos acabaram tornando a vida familiar um foco da arte de Renoir. E em 1901, aos 60 anos ele teve seu terceiro e último filho Claude, a quem dedicou uma pintura com aspectos interessantes.

Claude Renoir Brincando (1906) 

Claude Renoir Brincando (1906)

Nesta obra Claude está vestido de menininha, (como o garoto Charpentier e outros da época), mas podemos determinar a sua masculinidade por estar brincando com soldadinhos, e não bonecas. É um retrato pintado com ternura, mas o fundo dele é mais interessante. Renoir sofria de reumatismo na época, e não conseguia ter mais tanta precisão.

Ele foi morar em Le Collet, sua propriedade próxima de Cagnes-sur-Mer. A partir de 1912 ele ficou preso à uma cadeira de rodas, mas continuou a pintar mesmo com o avanço da artrite. Foi nesta época que ele deu início a um novo projeto, esculturas de grandes dimensões, instruindo um assistente, que moderava argila para ele.

Em 1915, Aline, que era comedora compulsiva acabou morrendo vítima de um ataque cardíaco aos 55 anos. Mesmo com toda a tragédia da perda de sua esposa, três filhos para criar e a saúde debilitada, Renoir continuou pintando até os 70 anos de idade, evocando um mundo onde tudo continuava perfeito.

A paleta eriçada ressurgia pela última vez para dar luz a Les baigneuses. Esse quadro, criado à luz mediterrânea do atêlie envidraçado, que fora construído sob medida, é a última obra de peso de Renoir.

Les baigneuses (1918-1919)

Les baigneuses (1918-1919)

Nela, Renoir ilustra ninfas se banhando no primeiro plano, ao fundo figuras e passagem se misturam em uma forma trêmula. Os corpos de mulheres brancas nuas, com traços fortes nos contornos evidenciam a marca registrada de Renoir, que amava realizar uma permanente celebração de mulheres em poses clássicas das deusas. Quando perguntado sobre essa sua última obra, ele alegou que não havia nada a parte dos clássicos. E reiterou que sentia que a sua arte estava decaindo a sua volta por falta de um ideal.

Mas jamais faltou ideal à arte de Renoir, que é a personificação do grande prazer de pintar. Ele criou em suas telas uma área livre de ansiedade, e quer gostasse da realidade ou não, ou independente de como se sentia, ele sempre pintou para tentar transformar o mundo em um paraíso sensual pintado. O gênio do impressionismo faleceu dormindo no dia 03 de dezembro de 1919 aos 78 anos de idade, mas o seu legado nunca será esquecido.

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