A listagem das artes refere-se ao hábito de estabelecer números para designar determinadas manifestações artísticas. No artigo de hoje, trabalharemos com uma adaptação dos textos de Baratto, Pallasmaa, Mallet-Stevens e Cavani sobre os temas Arquitetura e Cinema, conhecidas respectivamente como 5ª e 7ª arte, bem como as suas relações podem ser trabalhadas.
A evolução dos comportamentos humanos fez com que os homens abandonassem as migrações constantes para passar a ocupar residências em locais fixos, a fim de constituir família e perpetuar a espécie. O que levou à criação de abrigos, casas, templos, edifícios e monumentos mortuários, que dão origem a 5ª arte: a Arquitetura. Esses aspectos são como a apropriação de um determinado espaço que se complementam formando uma espécie de reino da personalidade humana diante do mundo. Baratto acredita que:
“Em cada período histórico da civilização humana, a arte de construir foi se moldando aos hábitos e costumes próprios daqueles tempos e espaços. Utilizando como base a matéria-prima disponível, e ainda, projetando sua construção de acordo com o relevo e clima locais. Muitos desses trabalhos permanecem erguidos, permitindo explorar peculiaridades dos mais diversos povos. Grande parte dos antigos edifícios demonstram importância de seus familiares, a grandiosidade de seus deuses, o poder dos seus reis ou o prazer de se produzir arte.”
Por outro lado, a 7ª arte não teve origem na necessidade de abrigar-se, mas sim em uma falha do olho humano, conhecida como persistência da visão. O olho retém uma imagem durante uma fração de segundo após a sua fonte ter saído do campo da visão. Os filmes são constituídos por uma série de imagens impressas em determinado suporte, alinhadas em sequência, chamadas fotogramas. Quando projetadas de forma rápida e sucessiva, o espectador tem a ilusão de observar movimento. Segundo Almeida:
“O cinema é um artefato criado por determinadas culturas que nele se refletem e que, por sua vez, as afetam. É uma arte poderosa, fonte de entretenimento popular e, destinando-se a educar ou doutrinar, pode tornar-se um método eficaz para influenciar os cidadãos. É a imagem animada que confere aos filmes o seu poder de comunicação universal. Dada a grande diversidade de línguas existentes, por meio da dublagem ou legendas, que traduzem o diálogo noutras, os filmes podem se tornar mundialmente populares.”
A respeito do processo de produção destas duas formas de arte, o arquiteto Juhani Pallasmaa destaca que “ambas são realizadas com a ajuda de uma equipe de especialistas e assistentes, resultado do esforço coletivo”, todavia ainda assim um outro aspecto as aproxima: são artes de autores, ou seja fruto de um criador, um artista individual. De acordo com Baratto:
“A construção de cenários é, sem dúvida, um destes momentos. Permitindo grande controle sobre as condições de filmagem, cenários construídos em estúdios fechados proporcionam a possibilidade de se desprender de limitações relativas ao clima, às condições de luz e a eventuais contratempos que possam acontecer em filmagens realizadas em ambientes reais.”
Alfred Hitchcock é um exemplo de cineasta que fez extenso uso de cenários para criar espaços de tensão e horror em suas produções. Como no filme Janela Indiscreta:
Baratto, relata ainda que, representações do espaço urbano podem ser observadas em trabalhos como os de Quentin Tarantino, em Pulp Fiction (1994), “obra que retrata a periferia de uma cidade genérica como pano de fundo de uma série de histórias banais: pessoas desempregadas, assassinos, garçonetes e hotéis de beira de estrada compõem uma trama que se enquadra em algo que pode-se chamar de “realismo sujo” e que pode ocorrer em qualquer parte do mundo.”
Não só o cotidiano está presentes nas hibridações entre essas artes. As visões distópicas do futuro das cidades também compõem o espectro de interferências da arquitetura no cinema. Um exemplo disto é o filme Blade Runner – o caçador de andróides (1982), de Ridley Scott, que segundo o autor apresenta: “uma cidade fictícia fruto de uma sociedade cibernética, que aglomera etnias e estilos arquitetônicos diversos, evidenciando os resultados de anos de um uso híbrido dos espaços, muitas vezes não compatíveis e geradores de resíduos.” Seus ambientes são manifestações distópicas de um pós-modernismo garantido pela supremacia capitalista da era pós-industrial.
Metropolis (1927), de Fritz Lang, é outro caso que retrata de maneira distópica o futuro. Santos escreveu que “A grande máquina do sistema é eficazmente representada por uma cidade opressora e onipresente, que reduz seus habitantes a meros ventríloquos manipulados pela engrenagem, numa clara manifestação dos medos suscitados por uma nova cidade industrial.”
É claro que, esta obra de Lang deve ser examinada a partir do contexto no qual se insere, pois foi produzida na terceira década do século passado, refletindo questões relativas ao entre-guerras, momento em que a Alemanha sofria com a derrota da Primeira Guerra e demais países europeus apresentavam crescimento econômico acelerado devido industrialização. Naquele cenário sociopolítico, Metropolis mostrava uma possibilidade de futuro distópico, não tão distante da realidade como se poderia assumir para outros filmes do expressionismo alemão.
Um ponto de vista interessante de Pallasmaa, seria pesquisar se a arquitetura do cinema, liberada das restrições das funções práticas, da tecnologia construtiva e dos custos “obteve alguma vantagem artística sobre os projetos de arquitetura reais destes arquitetos de notáveis edifícios.” Isto é, longe das limitações concretas, teria a arquitetura do cinema ido mais longe que a arquitetura que dá origem ao nosso ambiente construído? Resta à imaginação especular que edifícios estes cenógrafos teriam construído se não tivessem se dedicado ao cinema. O arquiteto Robert Mallet-Stevens observa:
“É inegável que o cinema tem uma influência marcada na arquitetura moderna, por sua vez, a arquitetura moderna traz seu lado artístico para o cinema…[Ela] não apenas serve ao cenário cinematográfico, mas imprime sua marca na direção [mise-en-scène], rompe seu enquadramento; a arquitetura ‘atua’.” – Robert Mallet-Stevens.
Baratto afirma que estes cruzamentos também podem ser vistos no sentido inverso: “assim como a arquitetura ergue cenários nos filmes, o cinema pode, com luz, sombras, escala e movimentos, construir espaços.” Para cineastas com estudo ou aproximação acadêmica com a arquitetura, como por exemplo Sergei Eisenstein, a inexistência de limitações físicas concretas – gravidade, funcionalidade etc. – faz com que o cinema possa ir ainda mais longe que a arquitetura (entendida aqui como prática de projetar e construir edificações) em termos de experimentações espaciais.
Cavani aponta que há exemplos ainda dessas hibridações entre arquitetura e cinema em filmes pernambucanos, como o documentário Vitrais, de Cecília Araújo, sobre a artista plástica Marianne Peretti (vitralista colaboradora de Oscar Niemeyer). Além de filmes que problematizam questões urbanísticas e arquitetônicas, como Menino Aranha e A vida noturna das igrejas de Olinda, ambos de Mariana Lacerda, Um lugar ao Sol, de Gabriel Mascaro, Praça Walt Disney, de Renata Pinheiro, Recife Frio, de Kleber Mendonça Filho, e Projetotorresgemeas, dirigido coletivamente.
Josias Teófilo, cineasta, acredita que: “Infelizmente, ainda existem poucos bons filmes no Brasil e no exterior enfocando a arquitetura”, e recomenda o documentário O antigo Ministério da Educação e Saúde (disponível na internet), estruturado por uma entrevista com o arquiteto e urbanista Lúcio Costa, dirigido pelo cineasta José Reznik em 1992. No campo da ficção, ele destaca A noite (1961), de Michelangelo Antonioni.
A Archdaily criou uma lista super bacana com diversas sugestões reunindo documentários de arquitetura e cinema ao longo dos anos de 2015, 2016 e 2017, os posts contam com filmes “dos mais aclamados, populares e muitas vezes sub-representados que provocam, intrigam, informam e seduzem”. Separamos três para que você possa assistir esse final de semana e entender melhor como funcionam as hibridações entre essas artes:
Building Africa: Architecture of a Continent / BBC 60 minutos (2005) / Narrado por David Adjaye
Este filme, que estreou em 2005, é uma viagem dos edifícios “misteriosamente bonitos” de Mali para o experimento do ditador italiano Benito Mussolini no Modernismo no Estado da Eritreia. Narrado pelo arquiteto britânico David Adjaye, o filme poeticamente desembaraça as influências culturais e imperiais que moldaram a arquitetura africana ao longo de séculos de arquitetura vernacular, colonial e pós-independência. De Ruanda, Gana e África do Sul, o edifício África tem a relevância crescente mesmo depois de uma década desde que foi apresentado.
The Land of Many Palaces [宫殿之城] / Adam James Smith, Song Ting 60 Minutos (2016) / Inglês
Em Ordos, na China, milhares de agricultores estão sendo transferidos para uma nova cidade sob um plano governamental para modernizar a região. “A Terra de Muitos Palácios” segue um oficial do governo cujo o trabalho é convencer estes fazendeiros que suas vidas estarão melhor na cidade, e um fazendeiro em uma das últimas vilas restantes na região é pressionado para se mudar. O filme “explora um processo que tomará forma em uma enorme escala em toda a China, desde que o governo central anunciou planos para relocar 250 milhões agricultores para cidades em todo o país ao longo dos próximos vinte anos”. Você pode assistir o filme, aqui.
A vida é um Sopro / Fabiano Maciel 2010 / Português-brasileiro
Esta é a história do grande arquiteto Oscar Niemeyer – sua arquitetura, sua paixão pela mulher, suas lutas políticas e sua extraordinária biografia. Filmado por quase uma década – de 1998 a 2007 – “A Vida é um Sopro” apresenta aspectos de José Saramago (escritor e ganhador do Prêmio Nobel de Literatura 1998), Ferreira Gullar (poeta, dramaturgo, ensaísta e crítico de arte) e Chico Buarque.
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