O cinema brasileiro nos anos 2000

Em 124 anos de história, o cinema brasileiro passou por diversos percursos. A hibridação de raças dessa nação reflete-se nas obras culturais por ela produzidas, por isso, diferentemente de outros países que fazem parte do cinema clássico como a França, a Inglaterra e os EUA, não há apenas uma “cara” para o cinema nacional, pois temos uma abordagem multifacetada, assim como o nosso povo.

A produção atual conta com filmes premiados em grandes festivais, que ajudam os diretores a conquistarem alcance internacional. Neste artigo abordaremos as principais obras criadas entre os anos 2000 e 2019.

Um cinema focado em narrativas

Perante as evoluções tecnológicas na computação gráfica e câmeras digitais, as produções norte-americanas tornaram-se cada vez mais repletas de efeitos especiais, colocando o visual em primeiro plano e deixando o roteiro e enredo para segundo plano.

O Brasil não tenta competir no quesito pós-edição. O cinema nacional tem como marca registrada a realização de filmes que privilegiavam as histórias de pessoas comuns.

O olhar dos diretores está muito mais voltado para narrativas do que para os computadores. Essas narrativas trafegam entre uma realidade crua e abordagens lúdicas, as quais ilustram o cotidiano vivido pelos membros dessa cultura. Histórias sobre a vida nas periferias cariocas, romances e dramas nordestinos foram os temas mais abordados nos últimos dezenove anos.

Muitos títulos foram lançados, mas dentre eles, as obras que merecem destaque nessas duas primeiras décadas do século são:

O auto da compadecida (2000)

O filme mostra as aventuras de João Grilo e Chicó, dois nordestinos que vivem de golpes para sobreviver. Eles estão sempre enganando o povo de um pequeno vilarejo no sertão da Paraíba, inclusive o temido cangaceiro Severino de Aracaju, que os persegue pela região. Somente a aparição da Nossa Senhora poderá salvar esta dupla.

O conto adaptado de Ariano Suassuna flerta com o lúdico e o sarcasmo, a comédia ainda apresenta lições de moral com cunho bíblico, uma hibridação única que só poderia ocorrer no sertão brasileiro.

A obra recebeu o Grande Prêmio de Cinema Brasil nas categorias Melhor Diretor (Guel Arraes), Ator (Matheus Nachtergaele), Roteiro, Lançamento e ainda foi indicada a Melhor Filme neste festival e no Cartagena. Nos festivais internacionais o filme foi agraciado com o Prêmio da Audiência no Miami Brazilian Film Festival e a honra de Melhor Ator para Matheus Nachtergaele no Viña del Mar Film Festival.

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Bicho de sete cabeças  (2000)

O relacionamento entre Wilson e seu filho Neto é cada vez pior. A situação entre os dois chega ao seu limite, até que o pai decide internar o filho em um manicômio, onde o rapaz enfrenta condições terríveis de tratamento.

A obra emblemática entra em voga nos debates dos cursos de Comunicação Social, Psicologia e Medicina, em um momento em que a internação compulsória foi legalizada e implica na “reabilitação” forçada de diversos dependentes químicos.

Neto era apenas um rapaz que gostava de usar maconha, que acaba preso em um lugar onde tenta fazer de tudo para se redimir do seu grande pecado: tentar se divertir de uma forma que contraria o pai.

O filme foi pré-selecionado para a 74ª edição do Oscar, em 2002, para concorrer na categoria Melhor Filme Estrangeiro. Além do destaque internacional no Brasil ele foi um dos grandes vencedores do 1º Grande Prêmio Cinema Brasil, levando para casa sete prêmios: Melhor Filme, Melhor Ator para Rodrigo Santoro, Melhor Direção, Melhor Roteiro e de Melhor Ator Coadjuvante para Othon Bastos.

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Durval Discos (2002)

Durval mora com sua mãe no local onde também funciona uma loja de discos, a Durval Discos. Devido ao cansaço da mãe, eles contratam uma empregada que aceita trabalhar por apenas 100 reais. Contudo, alguns dias depois ela desaparece, deixando para trás uma menina e um bilhete, pedindo para que eles cuidem da garota por dois dias, eles acolhem a menina, mas acabam tendo uma grande surpresa.

A obra é um destaque do cenário brasileiro pois mescla impressionismo ao cotidiano nacional, oferecendo um trabalho experimental que apresenta uma história comum de uma maneira inusitada. Durval Discos foi aclamado pela crítica e recebeu duas indicações, nas categorias de Melhor Roteiro Original e Melhor Trilha Sonora no Grande Prêmio Cinema Brasil.

Além disso, a obra também ganhou sete Kikitos de Ouro, no Festival de Gramado de 2002 nas categorias de Melhor Filme, Prêmio do Júri Popular, Prêmio da Crítica, Melhor Direção, Melhor Roteiro, Melhor Fotografia e Melhor Direção de Arte.

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Cidade de Deus (2002)

A obra ficcional é ambientada nas favelas do Rio de Janeiro dos anos 1970, dois rapazes seguem caminhos diferentes. Buscapé é um fotógrafo que registra o cotidiano violento do lugar, e Zé Pequeno é um ambicioso traficante que usa as fotos de Buscapé para provar como é durão.

Na edição de 2003 do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro o filme foi indicado a 14 prêmios e recebeu os prêmios de Melhor filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Fotografia e Melhor Som.

Além disso, a obra foi indicada ao Oscar 2004 nas Categorias de Melhor Diretor para Fernando Meirelles, Melhor Roteiro Adaptado para Bráulio Mantovani, Melhor Edição para Daniel Rezende e Melhor Fotografia para Cesár Charlone.

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Carandiru: O Filme

Um médico se oferece para realizar o trabalho de prevenção ao vírus HIV no Carandiru, durante os anos 90. Convivendo com a realidade dos encarcerados ele presencia a violência agravada pela superlotação, a precariedade dos serviços e a animalização dos presos. Paradoxalmente, conhece o sistema de organização interna e o lado frágil, romântico e sonhador daqueles que tanto mal parecem ter feito à sociedade.

O filme é uma adaptação do livro de Drauzio Varella, que relata a convivência dos presidiários no local, a proliferação de doenças, o tráfico de drogas, a violência e a rebelião por condições melhores que levou a uma morte violenta para os detentos.

Atualmente, é um dos filmes mais premiados do Brasil, recebendo 11 indicações ao Grande Prêmio Cinema Brasil, cinco ao Prêmio Qualidade Brasil, duas no Festival Internacional de Cinema de Mar del Plata, uma para o Festival de Cannes, Bangkok International Film Festival.

Além de vencer dois prêmios nas categorias de Melhor Diretor – Hector Babenco e de Melhor Roteiro – para Hector Babenco, Fernando Bonassi e Victor Navas no Festival de Cinema de Havana. Melhor Filme no Festival Internacional de Cinema de Cartagena e Melhor Som no Prêmio ABC de Cinematografia.

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Tropa de Elite I e II (2007 e 2010)

No primeiro filme o capitão da força especial da Polícia Militar do Rio de Janeiro treina dois recrutas novatos para que possam sucedê-lo. No segundo o Capitão Nascimento, agora mais experiente, trabalha como subsecretário de Inteligência na secretaria de Segurança do Rio de Janeiro.

Foi de suma importância para denunciar as milícias que tomam conta das periferias do Rio de Janeiro, as quais cobram dinheiro em troca de oferecer segurança, o que em teoria é a obrigação deles. Os policiais corruptos acabam vendendo também outros serviços e colocando os moradores como reféns de um sistema falho. Pelo conjunto da obra o diretor José Padilha e o protagonista Wagner Moura receberam destaque internacional.

Os dois filmes colecionam juntos dezenas de indicações a prêmios incluindo o Festival de Berlim, Festival Hola Lisboa, Grande Prêmio Vivo do Cinema Brasileiro, 10º Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, Cineport – Festival de Cinema de Países de Língua Portuguesa 2011, 6º Prêmio Contigo de Cinema Nacional, Prêmio APCA, Prêmio ABC, NBR Award, Festival de Havana, Motion Picture Sound Editors, (MPSE), Golden Trailer Awards.

Que Horas Ela Volta? (2017)

A pernambucana Val se mudou para São Paulo com o intuito de proporcionar melhores condições de vida para a filha, Jéssica. Anos depois, a garota lhe telefona, dizendo que quer ir para a cidade prestar vestibular. Os chefes de Val recebem a menina de braços abertos, porém o seu comportamento complica as relações na casa.

Essa película coloca em pauta o lugar da empregada em uma família de classe média. Enquanto muitas patroas tentam alegar que as empregadas são suas amigas, nenhuma delas convida as amigas para limpar a privada. O Brasil é um dos poucos países que ainda vive em cenário onde alguém é responsável por limpar a bagunça que nós fazemos em casa. O filme também trás a tona questionamentos sobre o lugar do pobre nas universidades públicas, e como os jovens podem e devem questionar as injustiças sociais.

A diretora Anna Muylaert foi premiada como Melhor Diretora nas premiações Prêmio Ariel de Melhor Filme Ibero-Americano e Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, no qual Regina Casé também foi premiada como melhor atriz.

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Cinco cineastas brasileiros que você precisa conhecer

  • Eduardo Coutinho: Foi um cineasta e jornalista considerado por muitos como um dos maiores documentaristas da história do cinema do Brasil. De suas obras Jogo de Cena e Edifício Master merecem destaque pela riqueza dos depoimentos;
  • Fernando Meirelles: É um diretor, cineasta, ativista, produtor e roteirista brasileiro. Seu filme de maior sucesso, sem dúvidas, é Cidade de Deus, o que pouca gente sabe é que ele também participou da direção do drama americano Um ensaio sobre a cegueira;
  • José Padilha: Roteirista, documentarista e produtor cinematográfico Padilha ganhou notoriedade mundial após as obras Tropa de Elite I e II, falaremos mais dele a seguir;
  • Selton Mello: Começou sua carreira como ator e dublador, na qual atuou até 1999. Atualmente, ele trabalha como diretor e produtor, focando sua carreira apenas no cinema e em seriados;
  • Walter Salles: Cineasta, banqueiro e empresário brasileiro esse diretor foi responsável pelas obras Central do Brasil e Diários de um Monociclista.

O que podemos esperar de futuras produções?

As perspectivas para o cenário nacional continuam sendo mantidas em apostas de narrativas. Recentemente, a Globo, a maior emissora do país, tem passado a investir em outros formatos tais como séries disponíveis nos serviços de streaming.

José Padilha também tem apostado nessa nova mídia, que não é nem cinema nem televisão em si, pois não está preso a uma grade de tv tradicional, nem leva as pessoas a saírem de casa para assistir.

O futuro da comunicação audiovisual tende a migrar cada vez mais para esse tipo de serviço, que permite uma abordagem mais detalhada. A série ficcional O mecanismo é um exemplo disso. Nela Padilha apresenta um roteiro repleto de denúncias sobre a imparcialidades ocorridas na operação Lava Jato disfarçadas de ficção.

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