Da Praça Onze para o mundo, conheça a história de Heitor dos Prazeres

Heitor dos Prazeres nasceu no Rio de Janeiro em 1898, e morou ao longo de toda a sua vida no bairro da Cidade Nova (Praça Onze). O artista se tornou um dos principais nomes do cenário das artes populares brasileiras.

Segundo Kauê Vieira, a arte popular pode ser definida como: “à produção artística de pessoas que nunca frequentaram escolas especializadas, contudo criam obras (esculturas, gravuras, pinturas) com relevante valor estético e artístico”. E foi assim que deu-se com esse artista, sem doutrinas ou escolas para inspirar seus talentos podemos dizer que Heitor nasceu com o dom.

Heitor parece que nasceu para música. O sangue musical já corria em suas veias, pois ele era sobrinho de Hilário Jovino Ferreira, um dos criadores do carnaval no Brasil, e em sua infância recebeu de presente do tio um cavaquinho, que se tornou posteriormente um ícone de sua aparência, pois estava sempre carregando o instrumento rua a fora.

Durante a adolescência Heitor tentou seguir a carreira do pai, que era marceneiro, fazendo até mesmo um curso profissionalizante aos 12 anos, mas foi frequentando os terreiros de umbanda de seu bairro que descobriu que podia tocar atabaques, e desenvolver seu talento para a música. Heitor acabou se apaixonando pela primeira arte se tornando oficialmente Ogã no terreiro.

Após tomar gosto pelo ritmo, o artista tomou coragem para estender seus talentos para além da Praça Onze, frequentando rodas de samba ao longo de toda a cidade.

Marcelo Araújo conta que: “De cavaquinho ou clarinete na mão, participava de rodas em locais como a casa de Tia Ciata, considerada um dos berços do samba, onde convivia com mestres como João da Baiana, Donga, Pixinguinha e Caninha.”

Segundo os relatos do documentário realizado por sua neta, Tatyana dos Prazeres, ele chegou até mesmo a frequentar a casa de dona Ester Maria Rodrigues e Osvaldo Cruz, que davam festas que duravam dias e foi em uma delas que conheceu Paulo da Portela, com quem fundou a escola de samba Portela.

Família

Em 1931, o artista se casou com Glória dos Prazeres, com quem teve três filhas. Infelizmente, o relacionamento durou pouco e terminou com a morte da esposa, em 1936. Pouco depois se casou com Nativa Paiva, com quem teve dois filhos Ionete e o músico Heitorzinho dos Prazeres.

De acordo com Marcelo Araújo, seu primeiro filho inspirou o tema “A Coisa melhorou”, cuja letra inclui o verso: É mais um guerreiro, é mais um carioca, é mais um brasileiro. O autor relata ainda que: “Esta edição marcou o início da carreira solo da cantora Carmen Costa e foi gravado em uma das primeiras gravadoras independentes do Brasil.

O pierrot, o capoeirista e a origem de um pintor

Além da música e umbanda, Heitor era apaixonado por tudo que remetesse às suas origens africanas, por isso também praticava capoeira. Há relatos de que ele salvou seus amigos diversas vezes de brigas com seus talentos marciais. Um desses amigos foi Noel Rosa.

Segundo os relatos, Noel havia se envolvido com a mulher de um marinheiro, e pediu ajuda de Heitor para não apanhar. O amigo foi socorrê-lo e aliviado por ter sua pele salva Noel começou a cantarolar uma canção sobre a sua amada. Heitor, por sua vez, resolveu pintar um quadro sobre a protagonista da história. Desse episódio nasceu a música Pierrot Apaixonado, e o novo talento de Heitor: a pintura.

Reconhecimento

Durante a carreira, Heitor dos Prazeres foi laureado com diversos prêmios, o primeiro deles foi a aquisição do terceiro lugar na primeira Bienal de São Paulo. No ano seguinte, seus quadros foram expostos em uma sala exclusiva na Bienal. Ele também foi autor de um dos cenários para o ballet quadricentenário da cidade de São Paulo.

De acordo com Ricardo Cravo Albin, presidente do Instituto Cravo Albin os quadros de Prazeres chegaram até mesmo aos olhos da rainha Elizabeth, quando as obras do artista foram enviadas para uma galeria de Londres, a jovem rainha perguntou a curadora da exposição: “Mas quem é esse pintor extraordinário?

Heitor também foi reverenciado por diversas personalidades nacionais, como o ex-presidente Juscelino Kubitschek e os escritores Stanislaw Ponte Preta e Carlos Drummond de Andrade, que dedicou um poema à ele. Em uma das estrofes dessa homenagem, o autor de Itabira define Heitor: “Por sua pintura e música, passa um fluido de poesia. Poesia das coisas simples, unidas em melodia”.

Amante de suas origens

Ele se orgulhava muito de ter nascido, crescido e trabalhado no mesmo lugar a vida toda, onde, mesmo depois da fama, manteve seu ateliê. Era possível vê-lo sempre feliz retratando sobre como se sentia nostálgico por permanecer na Praça Onze, onde viveu com as pessoas que amava, mas que não estavam mais ali, e sobre como elas fizeram parte da sua história.

Heitor não fez fortuna ao longo da carreira, mas sem dúvidas foi afortunado por ser um dos artistas mais completos do Brasil. Em um dos depoimentos para o documentário “Heitor dos Prazeres”, de 1965, o artista forneceu um comentário interessantíssimo sobre como se sentir em relação a comercializar a sua arte:

Mas é triste, algumas coisas que eu faço, que o destino não me agrada. Coisas que eu faço pela amizade, que eu pensei em um dia guardar para mim. Então, vem um gosta, leva. Vem outro, faço outra coisa, gosta, leva. E, eu já me sinto já, acorrentado, obrigado a fazer comércio, de formas que é desagradável. É um sofrimento do artista, porque já me sinto comercializado. Eu sinto que já estou fracassando, porque eu sou obrigado a fazer coisas que não estão na minha vontade, por causa do comércio. Eu faço uma coisa inspirado, aí a pessoa vem e pede outro igual, depois vem outro e pede outro igual. De forma, que é uma tristeza. O artista que é obrigado a comercializar-se, para atender a situações monetárias, vive acorrentado e, acaba morrendo não fazendo aquilo que ele quer.

Falecimento

Heitor dos Prazeres faleceu no dia 4 de outubro de 1966 no Rio de Janeiro, aos 68 anos de idade.

O legado

No cenário musical deixou um catálogo de cerca de 300 composições de samba. Suas músicas tratavam temas diversos, na maioria ele falava sobre desilusões amorosas, a vida agitada do carioca e a religiosidade dos terreiros. Segundo Marcelo Araújo:

Nesse leque estão: Vou te Abandonar, Carioca Boêmio, Nada de Rock Rock (manifesto contra a chegada do rock’n’roll ao Brasil, na segunda metade dos anos 50), Quem é Filho de Umbanda, Canção do Jornaleiro, Mamãe Oxum, Vem de Aruanda e Tá Rezando.

Já em relação às pinturas como era autodidata, nunca se preocupou com a técnica. Retratando em seus quadros o Brasil brasileiro, o samba, as caboclas, o candomblé além de cenários que vivenciava nas ruas do Rio de Janeiro,  a vida dos moradores das favelas, como eram as brincadeiras das crianças nas ruas, festas juninas, jogos de baralho e rodas de samba. Há uma característica em comum em todas as obras: os personagens estão sempre olhando para o alto. Conheça algumas de suas obras:

 

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